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Há Voz No Fim Da Vida?


Por José Luiz Pimenta Jr., advogado especialista em Direito Médico, AHP Advogados

Em vida, o britânico Oliver Sacks e a chilena Valentina Maureira protagonizaram matérias na imprensa internacional, jogando luzes em um assunto, por muitos, evitado: a terminalidade da vida! O Dr. Sacks, famoso neurologista, professor e escritor, teve sua carta, em forma de artigo, publicado no New York Times, na qual além de noticiar publicamente estar acometido de câncer no fígado, com severa metástase em fase terminal. Já a jovem Valentina, de forma franca e verdadeira, próprias da tenra idade, clamou por sua morte, ao afirmar estar cansada de viver com a sofrida doença respiratória fibrose cística, tendo sido seu pedido negado pelo Governo, por não existir base legal para este tipo de autorização.


A sociedade moderna utiliza várias formas para tratar sobre o tema. A eutanásia se constitui na antecipação da morte do enfermo, diante do sofrimento e da dor testemunhados; havendo pequena intercessão com o suicídio assistido, no qual a morte é provocada pelo próprio enfermo, que a deseja, auxiliado por terceiro. A distanásia se constitui na prática de se postergar a morte, mantendo-se o enfermo terminal artificialmente vivo, prolongando seu sofrimento, sua agonia, mediante atos e procedimentos médicos extraordinários, consolidados na obstinação terapêutica, que visam dar quantidade de vida e não qualidade de vida. A ortotanásia (que se defende e se aceita como a mais adequada), comumente referida como a morte ao tempo certo, constitui-se na prática de atos médicos que venham a dar conforto e tranquilidade ao paciente terminal.


Materializadas as distinções acima evidenciadas, diversos são os regramentos legais, sendo merecedores de nota: a experiência norte americana do living will, cuja tradução livre aponta para o termo testamento vital, documento pelo qual se protegeria o direito individual de se recusar a se submeter a tratamento médico, que tivesse por finalidade prolongar a vida, quando o estado clínico do enfermo fosse irreversível ou quando estivesse no, hoje intitulado, estado vegetativo persistente; a experiência ibérica, traduzida na Espanha pelas instruções previas, insculpidas no artigo 11 da Lei nº 41/2002, as quais garantem a vontade do paciente, no fim da vida, em não se submeter a tratamentos extraordinários, com utilização de medicamentos que reduzam a dor; e em Portugal, pela Lei 25/2012, com propósitos semelhantes, que determinou a criação de um Registro Nacional, no qual são centralizados os mandatos que formalizam os poderes do procurador para cuidados da saúde; a experiência argentina, na qual em um único artigo da Lei 26.529/2009 foram reconhecidas as Diretivas Antecipadas, que garantem ao paciente dispor sobre sua saúde, podendo consentir ou recusar tratamentos médicos, preventivos ou paliativos, negando-se a pratica da eutanásia.


No Brasil, à mercê da ausência de uma especifica Lei, o Conselho Federal de Medicina, inicialmente, ao baixar a Resolução CFM nº 1805/2006, dispôs sobre a possibilidade da prática da ortotanásia, autorizando o profissional médico a assim proceder, respeitada a vontade do paciente terminal, pavimentando a partir deste precedente regulamentador, o caminho para aplicação das Diretivas Antecipadas de Vontade (DAV), formalização da verdadeira vontade do doente terminal. O passo seguinte se deu quando da publicação da Resolução CFM nº 1995/2012, medida que regulamentou especificamente o respeito às DAV, estabelecendo critérios e formalidades a ser cumpridos, para sua implementação no meio médico.


Reforçando a certeza dos fundamentos para o reconhecimento da prática da ortotanásia e das DAV, tem-se o lastro maior traduzido pelo respeito ao Principio da Dignidade da Pessoa Humana, à luz do artigo 1º, inciso III da CF/88; a mola mestra que garante a autonomia da vontade, nos termos do artigo 15 do Código Civil; a disposição direta que assegura ao idoso o direito de optar pelo tratamento de saúde que lhe for reputado mais favorável, conforme o caput do artigo 17 do Estatuto do Idoso; a vigência das Leis Estaduais nºs 10.241/99 (SP), 16.279 (MG) e 14.254 (PR), que estabelecem o direito do usuário dos serviços e ações de saúde de recusar a realização de tratamentos dolorosos ou extraordinários para tentar prolongar a vida, quando não há mínima esperança de cura, de reversão do quadro clínico; a previsão estampada na Resolução nº 41/1995 baixada pelo Ministério da Justiça, através do seu Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, que assegura ao paciente jovem o “direito a uma morte digna, junto a seus familiares, quando esgotados todos os recursos terapêuticos disponíveis”, suficientes para reversão do seu estado de saúde; o regulamentado na Portaria nº 1.820/ 2009 do Ministério da Saúde, que, ao dispor no artigo 4º sobre o direito ao atendimento humanizado e acolhedor em favor dos usuários dos serviços de saúde, garante a escolha do local de morte, quando lhe for inevitável.


Por fim, respondendo: digo que sim. Há voz no fim da vida!