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Biodireito - Jornal O Globo – 28/10/2008, pág. 07


Por José Luiz Pimenta Jr., advogado especialista em Direito Médico, AHP Advogados

RESUMO

Com a palavra, o Biodireito!


“O começo da era dos genomas comerciais. Empresas vendem por US$ 1 mil análises do DNA que indicam riscos de doenças. Cientistas criticam pacotes.”, “O mais completo mapa genético. Mil pessoas terão seu DNA analisado fornecendo pistas sobre doenças.”, “Vitória da Ciência – Supremo libera pesquisas com células-tronco de embriões humanos no Brasil”. (Caderno Ciência/Saúde do Jornal O Globo de 18/11/07, 18/01/08 e 30/05/08). Estas manchetes, de forma simples, sintetizam a atualidade dos temas relacionados ao avanço tecnológico da medicina e a inquestionável importância das pesquisas científicas que, em sua maioria, visam alcançar a cura de doenças, hoje consideradas incuráveis, mediante a utilização das informações já conhecidas do conteúdo do genoma humano – o verdadeiro mapa da vida – bem como do correto uso das células-tronco embrionárias. A propósito dessa última manchete, tem-se a mais importante decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal nos últimos tempos, que transborda as fronteiras da Bioética e do Biodireito, bem como dos dogmas religiosos, para alcançar o exército de crianças homens e mulheres que vivem à margem da vida, à mercê das doenças – hoje – tidas e ditas incuráveis, para os quais as pesquisas com células-tronco embrionárias se revestem em concreta esperança.

Mas qual seria o elo entre o Direito e este fantástico novo mundo científico? Como alcançar um ponto de equilíbrio – se é que seja possível nele pensarmos (!) - entre as relações jurídicas e a ética – ou a Bioética - daí advindas? Como dirimir os conflitos de interesses subjacentes desta nova ordem científica, levando-se em conta o atual arsenal legislativo, que em sua maioria, não disciplina os específicos casos concretos? Com certa ousadia e humildade, arrisco indicar como respostas a tais indagações os resultados advindos da aplicação da equação Bioética/Biodireito. Mas prosseguindo no vasto campo das indagações, o que seria a Bioética? E por Biodireito, o que se entende?

Como definição, tem-se por BIOÉTICA uma ética aplicada, chamada também de “ética prática”, que visa dar conta dos conflitos e controvérsias no âmbito moral surgidas pelas condutas realizadas na esfera das Ciências da Vida e da Saúde. Ao conceituarmos o Biodireito, teríamos um novo ramo do Direito que positivaria a Bioética, cujo raio de atuação seria regular – sem, contudo, aprisionar e/ou limitar – as pesquisas das ciências da vida, visando lastrar, mediante doutrina, legislação, e jurisprudência próprias, as condutas humanas, diante dos avanços da biologia, da biotecnologia, da engenharia genética e da medicina, harmonizando os distintos e jurídicos interesses dos protagonistas desta nova ordem, sejam eles provenientes do capital, do conceito maior da vida – que deve ser sempre tutelado – da preservação da espécie humana, da liberdade científica, etc.

Além destas linhas conceituais, e seguindo a atual dinâmica do mundo moderno, aprimora-se a noção da interdisciplinaridade como a realidade de qualquer área do conhecimento humano, não sendo a Ciência do Direito, exceção a esta regra. Neste contexto, a idéia de positivar a Bioética, através do Biodireito, como forma de tentar dirimir os conflitos provocados por este formidável novo mundo médico-científico - que aparentemente não possui limites, face o desenfreado avanço tecnológico - somente tem espaço se aceitarmos a noção de interdisciplinaridade neles existente. Em conseqüência, alavancar o Biodireito sobre o alicerce dos conceitos da Bioética, somente tem lugar nos dias de hoje se conhecermos a realidade da Medicina e a título de ilustração, os dilemas éticos surgidos pelo manejo de novas técnicas genéticas, suas conseqüências, seus riscos, proveitos, preservando o coletivo patrimônio genético que integra a espécie humana.

Diante deste cenário, pensar em dar solução jurídica a estas específicas lides é na verdade aceitar que existe modernamente, por exemplo, (I) o conceito de ortotanasia, que não se mistura à “pré-concebida definição de eutanásia”, a demonstrar que a acepção criminal dada pela atual legislação penal está obsoleta no trato das questões rotineiras vividas por pacientes terminais e suas famílias; (II) que todo o avanço tecnológico impresso nas pesquisas genéticas reclama uma legislação própria que contemple uma harmônica ponderação entre o direito à pesquisa e o direito à vida; (III) que há tempos clama na sociedade o desejo de debater se é imperiosa a criação de um Estatuto do Embrião, como forma de dar proteção ao corolário de direitos relacionados à proteção da vida humana em qualquer fase de concepção do embrião; (IV) que dentro do universo cientifico e tecnológico da Medicina de hoje existem também os direitos dos pacientes que devem ser juridicamente elencados e tutelados, com distinto realce à prevalência da autonomia da vontade; (V) que deve ser bem definido um marco regulatório, mediante legislação especial, que venha a disciplinar a atividade relacionada à reprodução assistida e o conseqüente descarte de embriões, diante das atuais técnicas reprodutivas; (VI) a utilização de material genético e biológico para os fins do aperfeiçoamento da medicina e dos respectivos fármacos; (VII) o funcionamento dos bancos de armazenamento e congelamento de material genético advindo, inclusive, do cordão umbilical, sejam públicos e/ou privados – e modernamente de placentas entre outros. Por estas razões e não poderia ser diferente: com a palavra, o Biodireito!

José Luiz Barbosa Pimenta Junior é advogado e Vice – Presidente da Comissão de Bioética e Biodireito da OAB/RJ (Jornal O Globo – edição do dia 28/10/2008, pagina 07)