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O Direito de Não Saber e a Ética Médica


Por José Luiz Pimenta Jr., advogado especialista em Direito Médico, AHP Advogados

RESUMO

Com a palavra, o Biodireito!


Exame de sangue capaz de revelar o quanto se está envelhecendo e estimar o que resta de vida através da medição de estruturas dos cromossomos; exame de sangue que utiliza biomarcadores para prevenção e diagnóstico prematuro de doenças, e outras ferramentas da medicina preditiva capazes de prever o surgimento de doenças genéticas, são exemplos do avanço científico e tecnológico, nos quais, em um futuro próximo, estará situada a Medicina. Mas como estariam sintetizados os limites da boa relação médico-paciente diante deste cenário? E o direito-dever de informar e ser informado sobre doenças que seriam previsíveis? Seria útil e recomendável colocar à disposição dos pacientes a previsão de doenças ainda incuráveis? Estas e outras instigantes questões se avizinham, merecendo a necessária reflexão.

Muito se comenta sobre o reconhecido dever de bem informar. Perante o seu avançado e bem formulado Código de Ética, não tem o médico dúvidas quanto ao cumprimento desta obrigação, que na atualidade vem sendo realizada de forma esclarecida, na clássica visão do consentimento informado. Na mesma linha, situa-se o direito de ser informado, em que é assegurada ao paciente, por força de lei, a adequada e clara informação sobre o serviço médico a ser prestado, inclusive, na condição de consumidor. Pouco se fala, entretanto, sobre o direito de não saber. Teria o paciente o direito de não saber sobre a probabilidade de vir a ser acometido por uma doença grave? Teria o médico o dever de respeitar tal decisão? O que diz o Código de Ética Médica?

Ao exame, em tese, desta situação, tem-se como assegurado ao paciente o direito de não saber. Tal direito baseia-se nos Princípios da Autonomia da Vontade e da Autodeterminação, cujas bases estão assentadas na Constituição Federal, de forma implícita no seu artigo 5º, que consagra os direitos individuais, e na Lei Civil, ao reconhecer como plenamente possível a hipótese delineada no seu artigo 15, no qual é estabelecido que “ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica”. Por analogia, em que pese estarem dirigidos ao tratamento médico do enfermo e não propriamente ao direito de não saber, por exemplo, sobre a probabilidade de ser acometido por doença grave e incurável, merecem ser sublinhados os seguintes comandos insertos no Código de Ética Médica: “É vedado ao médico: Art. 24. Deixar de garantir ao paciente o exercício do direito de decidir livremente sobre sua pessoa ou seu bem-estar, bem como exercer sua autoridade para limitá-lo... Art. 34. Deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e os objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta possa lhe provocar dano, devendo, nesse caso, fazer a comunicação a seu representante legal.”

Mesmo considerando a relevância e o quilate jurídico que possui hoje o dever de informar, insta ressalvar que existem situações nas quais a regra vira exceção, e visando assegurar a autonomia de bem decidir do paciente, ter-se-ia, por este fundamento, justificável razão para garantir a ele o direito de não saber, desde que tenha previa e expressamente manifestado a sua vontade. Ponderando a lógica e a razão, deve-se ainda observar excepcionais situações nas quais o prévio conhecimento beneficiará o paciente, tendo em vista que – sabedor de possíveis graus de morbidade – poderá melhorar seus hábitos, buscar meios de desfrutar a melhor qualidade de vida, por exemplo, visando evitar eventuais agravamentos clínicos, inclusive essas previsíveis doenças.

Outro ponto que vale ser sublinhado seria não assegurar o direito de não saber, quando este possa vir a transmitir doenças aos descendentes dos pacientes, caso haja um conteúdo hereditário na respectiva moléstia, ou quando da possível contaminação, havendo caráter epidêmico, hipóteses nas quais seria prudente sopesar direitos individuais e de ordem pública, pois, caso contrário, acabaríamos por violar direitos alheios, direitos de outrem. Refletir, avançando na Medicina, assegurando-se direitos pouco reconhecidos e valendo-se do amadurecimento profissional do médico e do seu excelente balizamento ético, eis a equação que traduz o tema direito de não saber.